Sunday, September 30, 2007

A CABEÇA 100 MULHERES (by Marx E. Nest)


I


Milagre criminoso: um homem incompleto acocora-se para um espelho.

A infalivel mácula no acto da contracepção.

A outra, antes dela mesma, ou a mesma antes dela outra.

Infalivelmente nossa, mas com pó a ter pó.

A fronteira muda de paisagem por correspondência.

O cordeiro delator enforca-se num discreto urinol duchampiano e entra na fecundidade divina.
O céu faz strip-tease e depois veste-se de papel de parede.

Num ringue de boxe o ornitorrinco faz uma aparição patética e vence por K.O. no segundo round.

A amaricana é um cão sem seio.


II


A mais terna unção extrema a juventude e a nação.

O chapéu-de-chuva conduz os crentes à cabana e ao cabaz do pai natal.

Bébé com pombal nas tripas abre as portas automáticas da boca do inferno.

Uma encantadora paisagem sodomiza um insecto.

O coleccionador de inconscientes deita fogo à colecção.

A Graça limpa com um espanador os jogos de linguagem de Wittegenstein.

Com caudas de silêncio se aumentam as bochechas das orquídeas da ironia.

Os jogos crepusculares decapitam os diurnos e os nocturnos.

A raínha do Sabá chicoteia anacoretas canibais.

A cabeça procura um harem de corpos.

Os jogos diurnos e nocturnos ressuscitam no paraíso errado.

Anjos caninos fazem caricaturas secretas de profetas.

Musa colocada como uma cabeleira na poetisa postiça é confundida com uma freira na hortaliça.

Prometeorito.

A cabeça decapita outras 100 mulheres e confessa-o a uma Medusa manca.

Será a casualidade uma macaco catatónico?

A perturbação irmana as 100 decapitadas e leva-as a uma salada russa no exílio.

A recompensa desorbita-se.



III


A luz faz-se luz sem regatear um autor e sem insultar as trevas.

Obscuridade electivas fermentam em faustos.

Esturgido de fantasmas com guacamole e pêras.

Palestrina lima o látego na latrina.

O notário segura o terramoto num copo de àgua.

O grão-mestre dos caracois faz outro horóscopo à rata.

A terceira rata toca violino no corpo de uma adultera lendária.

A jovem adultera deixa fugir o estrangeiro estrangulado.

A macaca macabra é acusada de falsificar bruxarias.

Um grunhido de alaúde ameaça matar a sogra da cabeça.

A eterna consoada não quer ser consolada.

A ginastica para pôr defuntos em forma é revogada por quem odeia cegos.

Os farsantes do grande inverno examinam o estomago à alegoria das cavernas.

Um comboio adormecido coxeia na Alta Obscuridade.

Bucha, desamiga!

Recreação naval por piratas ginecológicos.

Fadistas surdos à caça num pantanal de turistas.

La Dame aux Escargots queixa-se ao rabi de gota e sai de gatas com uma injecção de Kafka.

Ela abre uma conserva de seios liquídos e depois liquída as sete anãs.

La Dame aux Escargots enerva-se com os seus leitores e escarra-os.

O rei dos caracois torna-se devoto da limpa nuca da Dama e do seu muco.

A Esfinge celebra as suas bodas com o Minotauro.

Jesus, desiludido com o Pai, entra para um convento de carmelitas descalças.

O caracol acaba por devorar uma vitela à jardineira e uma carta das finanças.

Sempre acompanhada à guitarra, a minha cunhada, dá à luz 100 meninas malvadas.

A formusura é lunar, por isso não escapa ao negócio.

Corpos vulcânicos apascentam uma ironia que ameaça a posteridade.



IV


Sorrisos de contrabando fazem os sexos quase idênticos.

Vénus torna os bustos ainda mais robustos. Miam!

Descarga púbica: todas as escolas dão no mesmo. Porquê?

E LaDame aux Escargots com a sua carne desfez o Verbo.

O seu sorriso é o sabre da elegância. A sua elegância é o sebo dos sorrisos.

A sua ebriedade afoga no fogo as armas que mamam na vida da puta.

As ruinas olham as cascas das cidades descascadas e desmaiam.

Num tango descontinuo, heis a minha insaciável sogra, a cabeça das 100 mulheres!

As hienas rondam choronas o túmulo alado do profeta sangrento.

O seu sorriso escondeu-se numa echarpe branca e atirou-se a um pastel de nata.

Há um desencontro ao fundo túnel que faz sensacionalismos.

Montanhas mascaradas sobem as escadas.




V

Mais leviana que um governante, cá está a minha sogra, a cabeça das 100 mulheres!

As amarguras ondeiam ao lado.

A simplicidade faz falsas e açucaradas declarações ao inspector.

Uma pulsão telúrica humilha-se perante as imagens.

Titanicas engomadeiras passam o mundo a ferro.

Os anões irmãos das anãs sabotam os sonhos dos titãs.

Estradas cegas ladeiam visões preciosistas.

Vulcano vomita o assado de carneiro nas cuecas da instrutora.

É demasiado profundo para se elevar, e demasiado leve para se suicidar.

Vulcanica e asseada, a minha sogra ogre, a cabeça das 100 mulheres.

Pastiche, sublimação, desconversa.

Coplas de cópulas tornam acutilantes os prados.

A depilação das delapidadoras transforma a Aurora meticulosa.

Os assassinos das tranquilidades passadas fodem as fadas.

Futuros fatigados têm remédios diletantes.

Capitulantes delitos de cunhadas decapitantes.




VI


Pescaria aos milagres quebrados.

Mais traiçoeira que o mar, a minha sogra da lingua, a cabeça das 100 mulheres!

Heis as parecenças, como uma terrivel sede de crenças.

O amor anda à pesca de gritaria milagrosa.

O trono sofre de sonambulismo, jubila-se com a noite e desgraça-se pois.

A serenidade é mais inclemente do que um maremoto.

Os gestos afogados dos advogados e seus ajudantes lavagantes.

Inquina tudo e o mais.

Um jubilante mar de jubas.




VII


A noite jejua, arranca os olhos a Atlas e oferece-os às Gorgonas.

Torturada pelo silêncio, a porta confessa-se e culpa-se.

Um Espirito sem Espirito faz-se Carne ao passar por uma picadora.

Os selos do correio vão ao médico apavorados.

Há corpos que são cortinas ambulantes.

A cabeça das 100 mulheres aceita pagamentos em sorrisos avulsos.

O Caracol, temendo a ebriedade, recupera a sua antiga ambiguidade no barbeiro.

O bosque cego segue os òvulos ovais da substituta da amante.

A menstruação dos fantasmas surpreende um gang de jornalistas nús.

Uma chuva de vestidos abate-se sobre as cadelas da moda.

O polvo luminoso masturba piedosas almofadas com mentiras verdes.

O Terror afasta-se como um mexicano ensonado.

Descobre-se uma clavicula num berço e esta torna-se um pastel gigante.




VIII


A morte da vaidade põe fantasmas nos cabides.

Todas as diferenças se partem antes de partirem.

Posa na pose apátrida de quem ama à mariposa.

Finalmente um capitulo que se dá de presente a quem desagrada.

Não foi difícil o leitor ficar irreconhecível.

Uma vacilação muito lavada invalida as penas de quem não nos quer ler.

Um pastor no seu gabinete de trajos folclóricos faz bem à saúdinha do rebanho.

Um buda que é policia, católico e macaquinho de imitação faz implicações financeiras.

A divina comédia num vaudeville com pretensões cientificas é dada à estampa.

Rosa Davida lê o Fantomas em tradução cubista de Gertrude Stein.

O Agente Múltiplo surpreende-se em puro flagrante e assassina-se.

O excremento verde ressuscita outra vez Lázaro e seus dromedários voadores.



Apesar de só possuírem uma mesma cabeça as 100 mulheres teimam em reproduzir-se inutilmente criando povoados fantasmáticos com pretensões surrealistas. Mas apesar da humidade latente, e da humanidade gelada, uma sogra será sempre uma sogra.




IX


Damos como desgraça adquirida o satanismo de Deus, mas faltam-nos provas, mesmo em caso contrário.

Descontinuação contaminada.

O ínicio do avesso.

A cabeça das 100 mulheres tem uma erecção ocular e repete-se.

O mesmo dito da mesma maneira emburrece muita gente.

A mesma maneira dizendo o mesmo aborrece os curiosos e os leprosos.

A cabeça das 100 mulheres e o caracol civilizam selváticamente o que resta da sua cumplicidade e dão esperanças ainda mais vãs à humanidade.

Alguém masca a luz e as trevas como uma aparatosa pastilha-elástica.

Resguarda-te de segredos alheios: diz o cão de guarda do guarda-roupas.

Segrega-te nas guardas: diz o guarda-livros da guarda republicana a cavalo.

O guarda agrada-se.

Todas as caminhas vão dar à rima. Todas as carrinhas vão dar à prima.

Rima torsa em Tarso. Prima rôxa tem tazos.

Lisboa: limbo antes do limbo.

Quem é a cabeça das 100 mulheres? Quando o sei deixo de o saber. Quando o ignoro é uma obcessiva evidência. Explica-te e dir-te-hei como te obscuras.

O caracol, repugnante amante das nossas incertezas, é arrojado ao insinuar que somos demasiado íntimos de uma tal verdade.



(Continua muito antes do começo)

Thursday, July 19, 2007

cometas acádicos (versão b)


Área antes deste. Tempo arado. Irrigação muito sofisticada por baixo da eternidade. Era um esplêndido autor arquitectural.... Construia a maldade.

Vejo-te celebrada enormemente. Avanço até hoje. Alguns muçulmanos irrigavam a sofisticação do mundo – canones Abássidas.

A sua infinita misericórdia tinha algumas reservas - os coxos caminhavam, os cegos trabalhavam, o oriental arquipélago dos prodígios prosperava.


Sentiamo-nos arados pela terra – deus traduzia-nos.


Deus fazia-se Deus, no primeiro, no segundo, no terceiro, no quarto, no quinto, no sexto e no sétimo dia, e era Deus, e achava-se bom, mesmo bom, e continuava assim por outros dias afora.


Eramos geométricos – uma linha recta cortáva-nos o cérebro.

Os trabalhos do divino eram cegos. A vida achava-se segurança. Mas tremia nervosa e cheia de dúvidas até. E Babilonia envolvia-se em etanol e divisões blindadas.


O Verão estende-se ano após ano sobre o Médio Oriente com nostalgias do Enuma Elish e outros maravilhosos canticos que invertem os zigurates. As àguas do Eufrates correm subterraneas em toda a lingua que se faz mais escrita – porque a lingua nasceu de escritas mais primitivas e insones e só se assenhorou de si mesma , em regateada inauguralidade, nestes inclinados poemas sumérios.

- as bibliotecas não se deixaram conservar na Grécia (essas incluiam livros que se desenrolavam como tapetes de púrpura esperando que uma mão adultera e assassina acabasse com o leitor – aliás, o dever da literatura é tornar-nos adulteros ou assassinar-nos «purpuramente»)


Bagdade hoje era a sombra de um califa pintado por um expressionista mais ou menos abstracto. Ou a sombra de M. cuidadosamente desenhada por um califa dado a artes e sem mêdo de incorrer em iconoclastias. Os auxiliares do califa davam côr ao pintor americano muitos séculos antes.


Estava envolvido na obscuridão sobrenatural. Mas preferia-lhe as claridades mais naturais – uma feliz Arábia. O ar supera as nossas fantasias, sejam elas sado-masoquistas ou pirosamente místicas.

Agradava-lhe, passado um quarto de século, a linguística, porque lhe parecia uma ciência antiga a que os cultures das artes se resignaram. Saussurre e Pierce podiam ler-se hoje sem mascarilhas.

As bibliotecas eram arquipélagos que arquivavam os prodigios com oriental caligrafia. Os coxos caminhavam esplendidamente por Bagdad. Sentia-se o império romano a cobrir com suas àguas as ruínas dos zigurates.

Mas – sentias-te muito irrigada para baixo, muito traduzida em enigmas vizinhos, persas, com linhas de fogo cruzaado, com uma servidão muito sofisticada a outros califados.

Inana fazia-se central impedidindo que os mortos ressuscitassem.

O jardim do senhor também pode ser uma tasca – acrescentou Ali.

Nas planícies lisas alcançavam-nos outros rios que pareciam vir subterraneamente da Tartária.

Eu sinto-me muitas vezes vendido neste reino de Alterações.

E nesse veredicto insolente reconheço uma voz que perdi há muito tempo.

As pestanas do mundo fecham-se e escritores siameses deixam os seus papiros com a respiração das colunas militares.

Até os rios eram seus discipulos.

O governo material das coisas filosofais é minha vida.

O sino abate-se sobre os anos solares.

Friday, July 13, 2007

cometas acádicos


Entramos velidas pelo Iraque adentro com Aristóteles encabeçando os tanques floridos.

Os coxos caminhavam, o mundo adiantava-se , os feridos eram inclinadamente, a vida ignominava-se.

Os trabalhos faziam-se muito em linha reta para baixo. O ensandecimento frutificou. As alegorias pediam coroas de espinhos.

Alevantavamo-nos das inclemências medicinais.

Os cegos atribulavam-se trabalhando o trigo – a terra encarestecia aos olhos dos maus.

Piores ouvintes perdiam-se em julgamentos maiores – as pedras diziam que eram pedras. Pedras para Abássidas construirem palácios falantes. E as suas vozes chegavam elétricamente à China.

As palavras do faraó emaranhavam-se nos dedos de Marpa, o Tradutor. O Tradutor traduzia os sutras nas vidas outra vez. O Tradutor traduzia o texto com a vida e com textos que seguiam a sua vida, como se quizessem emancipar do que prometia vir a ser traduzido. Textos que descolam num companheirismo excitado.

Se queres conservar a vida endurecerás a vontade e terás a tentação, mais uma vez, de seres pior.

Maus ouvintes só vêm pedras.

Àrea antes do arado – espaço antes do minimalismo. Pensamento antes de polimento.

Os ouvintes entranhavam-se em entendimentos agudos: cheiravam a mesericordia que vinha de cima e de baixo.

Os rebeldes reproduziam a rebeldia bíblica de Eva e Adão, o que é o mesmo que dizer, adolesciam numa ingenuidade fatal.

Faz muito fruto e é sensual.

O oriental arquipélago dos prodígios!

Por baixo o autor tinha sido arquitectural, mas por cima tinha dificuldade em atravessar as bibliotecas, como se estas fossem àguas larguíssimas. Então o autor suspirava, porque não aplicava a cor durável dos faraós aos seus esforços.


Faltavam-lhe palavras divinas, apesar da agudeza, e dos rebeldes antigos que incitavam ao achincalhamento extremo do Logos Negro.

Os simulados afogavam-se nos simulacros. As bibliotecas eram o horrível espetáculo de uma natura exilada. Pedras, frutos, espinhos, gemidos. O logro da similitude global.

Ir para baixo é vencer-se na agudeza, embora a inovação custe como jamais.

Galantarias avaliam pensamentos antes da posse.

Muita linha nasceu até nos espinhos

Aproveita a agudeza, antes que dane os que são bons. Faz neles enormemente avançar para o que vier.

Irrigação muito sofisticada das alegorias de baixo – apedrejarás até que o palimpsesto se desvaneça.

A vara nos bons é muito isto: e é vida.

Cauda Pharaonis.

Há muito curiosidade e devoção pelo princípio desta beleza.

Babiloneia-me, como um principio de centuplificação de frutos.

A fundação do vontades endurecidas ainda é pior, porque facilmente desponta nas pedras.

Há que haver àrvores de bibliotecas de filósofos.


Os gemidos encontram-se por baixo vestidos de frutos.

E os discursos serão despidos antes de serem despedidos.

Se tudo é varas, nada é sermão.

As casas testemunham a suspensão do mundo. Nascem como um fruto de pedra da àlgebra.

E a matéria irriga as idades.

Quando houver cometas nos canais, os mortos ressuscitarão.


Testemunhas com fervor a suspensão de diversos discursos,

Mas nos anos 80 e 90 avançava-se para o muito muito. Para o muito muito se avançava. E para além do excesso. Para a àrvore do Saber informático. A maldade tinha raízes nos filósofos... todo o pensamento tinha sido uma má tradução ... mas estes filósofos para além de raízes também tinham tronco, ramos, folhas.

Saturday, June 16, 2007

o que é, sociológicamente, a arte


a arte é tudo o que uma data de gente julga que é «arte», porque conversa e age em função deste termo semi-cego, e das regras sociais tácitas que se encostam a esta designação e que variam frequentemente em função de épocas e meios

tudo pode ser mais-ou-menos arte, se bem que durante alguns tempos algumas coisas sejam mais arte (caprichos das modas) e outras deixem de ser arte para passar a curiosidades ou antiguidades - o abjecto, o exquis e a banalidade podem equivaler-se (ou sobressair) desde que os poderes económicos e os especialistas ou as instituições próprios os coloquem bem à vista

todos podemos ser artistas, e todos «deviamos» ser artistas - com o tempo todos os agentes (activos ou passivos) do art-world acabam por ser «uns artistas» - os mais influentes são mais artistas, os menos influentes menos artistas - o estimado público, também é «imenso» artista

um artista torna-se famoso porque sabe jogar bem o jogo da glória, ou porque alguém sabe jogar bem, por ele, o jogo da glória aliado ao do monopólio, ou então porque teve sorte nas circunstâncias

as obras de arte custam mais e custam menos porque há quem goste de desperdiçar dinheiro a especular sobre arte, ou porque os preços de comércio são simpáticos (a relação procura-oferta é regular e equilibrada)

o que decide as carreiras dos artistas é o duplo jogo que explora por um lado os links sociais de topo (instituições, especialistas, comparsas, comerciantes, ricalhaços) e por outro a exposição mediatica, que pode partir quer do artista, quer de um interesse dos media por este (não tem que existir reciprocidade)

os artistas têm em geral uma relação problemática com o valor económico (a massa, o pilim, o cacau) - que os fascina, que os faz «revoltar-se» ou que os faz «conformar-se» - a relação discreta, cínica, heroica, underground ou sensata com o dinheiro tanto define, regra geral, os estilos de vida, quer o espelho de circunstancias económicas e sociais

a circulação, consumo e produção de arte não se rege por príncipios mas por climas propícios que podem ser legitimados por teorias, rituais, leis, etc.

a arte só tem fim quando o homem acabar consigo - toda a arte do «passado» é do presente - o «fim da arte» é uma expressão teórica que serve para encenar relações de intensidade entre diversos tipos de arte, considerando momentos mais vivos e mais mortos graças a sofisticados (e muitas vezes estupidificantes) actos de valorização e de desvalorização que traduzem, na maior parte das vezes, uma naúsea, talvez justificada, relativamente à abundância da produção contemporânea - o papá desta teoria foi Hegel

é dificil, no entanto de distinguir «efectivamente» uma obra de arte de outras coisas desde o ready-made duchampiano - e creio que é essa utilidade do ready-made - a entrega da atenção não garante que uma coisa seja melhor ou pior, artistica ou não artistica, mas que essa coisa seja o veículo de ligações ou de atenções meditativas ou entusiasmantes - é certo que muitas obras de arte se distinguem mais do que outras (enquanto «obras de arte») porque são mais reconhecíveis como obras de arte, o que não quer dizer que sejam «mais arte» ou «melhores»

(im)prudência (var. teoricas)


uma teoria é uma imprudência a que me atiro


no que diz respeito à arte a teoria é essa imprudência climática, ambiental, que constitui uma espécie de «sistema eco-poético da arte», o seu bairro-da-lata (no sentido ém que o artista é bairrista, plantando as suas couves, construindo com restos, e tendo lata)


o bem fundado das teorias o que é? é o constuirem-se como encadeamento silogistico, isto é, o forjarem-se como nuvem proposicional (pulsional?)?


quem já experimentou teorias sabe que consegue arrastar os encadeamentos lógicos para onde quizer, desde que as suas bases sejam especiosas - as formalidades da lógica dão alguma elegância arquitectónica ao edificio mas não garantia de uma verdadezinha racional


a teoria pode ser o desenvolvimento de algumas intuições banais ou espetaculares que se soltam do que o meio ou as influências (antigas, de agora) prometiam


a teoria pode ser o cabide onde se penduram as refutações, sejam elas a negatividade de um status quo, sejam elas como que negatividades de negatividades - isto é, uma positividade maliciosamente reivindicativa


a teoria pode ser variação pelo prazer da variação dos «temas teóricos» - nesse sentido os leitmotivs teóricos são como as frases musicais - quiçá até mais transformáveis


a teoria pode ser pura paródia das outras teorias - no sentido em que reproduz e deforma o que nelas é esbracejante, transformando-as em algo caricato, ou em algo alegremente outro


uma teoria nunca é (a sério?) a prudência de não ter teorias (que também é paradoxalmente, uma teoria, mediocre e banalizada)


é certo que a arte pode crescer em autores sem teorias, para lá daquelas, do senso comum, que eles se servem para se orientarem na vida - mas eles incorrem na vulnerabilidade de que alguém possa dizer o que quizer, isto é desapropriá-los (o que é inevitável), manipulá-los, falsificá-los, etc.


uma teoria pode até ser ( e é normalmente) o espelho dos clichés que vagabundam nas conversas da «sociedade», sem que a gente saiba o que é que esses termos das conversas queiram exactamente dizer - são termos semi-cegos de ligação social - a maior parte das teorias forma-se «socialmente» no bulicio com que nos inclinamos mais para um género de coisas e nos distingimos opinativamente de outras - é bom ver como é que as opiniões mudam nos meios e seria útil, sociológicamente, fazer um estudo das mudanças de estados opinativos relativamente a quem é quem, o que é que é bom, e o que é que é importante e desimportante, e de como isso se dá segundo atitudes/estratégias (activas ou passivas) miméticas/meméticas


Tuesday, June 12, 2007

a arte como auto-indefenição


a arte é a indefenição da arte


é um paradoxo, mas aplica-se melhor às artes (às poéticas) do que ao resto dos casos


a arte não se satisfaz nem com a sua condição, nem com as suas variadíssimas defenições, nem com o seu sistema, nem com as funções que cumpre (bem ou mal) ou deixa de cumprir


nenhuma tautologia ou outro género de operação lógica nos pode fazer descansar e repousar numa defenição mais ou menos satisfatória


mas é forçoso que continuemos a defenir «arte», mesmo que se trate dum vício, de dandismo conceptual, ou de mera tática filosófica, ou, no pior dos casos, de oportunismo legitiomador

qualquer coisa de intermédia


distorceria o poema de Sá-Carneiro:


eu não sou Eu nem o Outro, sou qualquer coisa de intermédia

Sunday, June 10, 2007

a pseudocitação à luz de batarda/lapa (o pastiche em 75)



Diz Eduardo Batarda a propósito de Álvaro Lapa (vou começar de baixo para cima):


Álvaro Lapa é alguém que se compraz no pastiche, na imitação, no exercício de estilo. (...) No caso de Àlvaro Lapa, de onde a sátira mais furiosa não está aliás ausente, este jogo é levado a extremos: a citação é constante, permanentemente assumida pelo autor, passando a autocitação, pseudoautocitação ou só pseudocitação, em sucessivas ultrapassagens, chegando a sentir-se a identificação com a mediocridade.


É òbvio que «concordo» com o Batarda relativamente a este sofisticado jogo de ironias, no qual Batarda é complicadamente mais mestre que Lapa - Lapa não faz incursões na mediocridade, mas em algo mais deslaçado, mais próximo da «nulidade» (budista?) ou da imaturidade gombrowickziana. O que não é estranho - é um sindroma do elitismo já pensado por Heraclito, ao aconselhar a junção do excelente com o nulo como propicio a uma harmonia mais forte. Joyce cultivou, embora de uma forma menos ostensiva que Rabelais, o rasquismo como um baixo continuo (e deveriamos radicalizar e levar à letra esta noção de baixesa continuada). Podiamos dizer que é para se desforrar do catolicismo jesuíta des-sublimando-o (ou sublimando as suas sublimações, o que vem a dar em rebaixamento), mas a tradição é longa e visa dissimular o «sublime» (já que falamos de «sublimações»), no sentido kantiano, longiniano e todos os outros onde o absoluto, ou algum seu substituto defenível ou indefenível seja o mote. É certo que a associação de Deus e do «caralho» parecerá blasfémia, mas no campo indiano Shiva é o tal «caralho». Lapa sentirá uma felicidade fálica, uma beatitude indomável. Batarda recusará esse friquismo. Essa recusa leva a que algo seja mais elaborado. Por isso Batarda previligia a técnica e a história (intrinseca, o mais culta possível, o mais elipticamente e avacalhadamente exemplar) e reforça o «complicadismo».


Lapa é mais tranquilo, mais da filosofias, inábil em técnicas e por aí adiante. O que o desgraça é o Adorno em surdina (dodecafónica), mas também lhe dá o charme invulgar de ter tal complicação, como um céu carregado, em cima. Adorno é um censor porque também carrega o Hegel às cavalitas. Lapa dá-lhe a volta através dos seus herois aristocratas e fricolés - é claro que também estou a falar de mim. E safa-o o Nietzsche, e há momentos em que ele se abre intuições raras que fazem dele um profeta de uma outra «racionalidade»:



Uma teoria cómica não é normal nos hábitos retóricos.


Porque o cómico foi devidamente censurado pela razão grega.


Eu li Nietzsche como um moralista de nível superior.


O Alegre Saber pertence à comédia observada a vivo.


Sem o ênfase das grandes construções que Nietzsche pretendesse.


O cómico ultrapassa a razão grega ou qualquer outra.


Inverte a hierarquia invade a cena e é razão.


É razão outra ou razão louca na sua aparência.


Mas um sentido "oculto" nessa aparência constitui-o em sabedoria.


Os seus argumentos são superiormente razoáveis porque são acções.

a combinação do cofre


Se duvida sobre a singularidade da sua cabeça, nós garantimos-lhe uma segunda.

Os limites do pensamento são as capacidades de gestão dos nossos corpos assim como das máquinas que os porlongam.


A literatura forja por vezes úteis puzzles de algo que não é pensamento, mas apenas aclimatizações de imagens e palavras.


Haverá questões que não nos digam respeito apesar de termos a pretensão de ser filósofos?

O conhecimento depende sobretudo do seu cimento.
A linguagem é algo que parte do corpo em busca dos reconhecimentos que é suposto outros corpos retribuírem com afectos.

A harmonia entre o pensamento e a realidade, não só é hiperpolifónica como abunda em polirrítmicas desarmonias.


A lógica lava-se bem, e muitas vezes é bem capaz de limpar o sebo a muita gente.

Antigamente o homem espantava-se, hoje espantalha-se.

Com alegres tolices se escalam os evarestes da intiligência.

As nossas observações tanto podem ser adequadas ou inadequadas – é a variedade de situações que torna isso decisivo.

A filosofia é o abastardamento da intiligência através de refinamentos lógicos e retóricos.


A filosofia é um ladrão tentando encontrar a combinação com que roubará o cofre da sabedoria.


Mesmo as grandes proezas acabam por ser prosaicas presas da mais pedante prosápia.


Não são as questões que me atormentam, mas são os turbilhões que me questionam.

Uma tragédia começa quando outra tragédia acaba.


Felizmente não nos libertamos do bom senso, embora o possamos usar de um modo descondicionado.

dopping teórico


A natureza engana-nos melhor com as suas leis do que as nossas leis a ela.Devemos enganarmo-nos voluntáriamente para percebermos até que ponto a gestão da consciência está aberta às mais bárbaras manipulações.


Algumas teorias são mais eficazes que o doping.

As nossas melhores estupideses conseguem consolar os tolos.

As palavras novas servem para atrapalhar as velhas.

Um filósofo que anda à procura de publicidade é como um velho pugilista a tentar conquistar um título.


Wittegenstein disse que uma boa filosofia podia ser um compendio de piadas – nós lá estaremos para contribuir com vigorosas gargalhadas.

A morte é algo que se inventa na vida como auto-negação incontornável. Podemos no entanto experimentar a excitação da «morte», a ânseadade ou o consolo de já não termos que continuar a sofrer em vida.

A eternidade é uma metáfora que ora serve para contornar o presente ora para lhe exaltar a imensa intensidade.

A clareza suprime aspectos «rebuscados» da realidade – prefiro a clareza como um suplemento e a complicação intrinseca das coisas como uma riqueza da qual não nos é necessário desembaraçar.

Confundimos o sentido com as borbulhantes intenções que tentamos adequar ao uso. As intenções não só desaparecem com o uso, como dizia Jasper Johns, como o sentido se desusa, desaparecendo em «grande parte» nas intenções que se afundam.

Estamos aqui – entre-tendo-nos.

Quando entramos em mundos supostamente diferentes somos extremamente habilidosos em adaptar-lhes a linguagem – a linguagem é a familiaridade que constrói vistas panoramicas sobre a estranheza.


Estamos envolvidos num patchwork de problemas muito parciais que no fundo existem para pastar as tensões das suas formas romanescas.

piramides invertidas





Estes pensamentos já nascem poluídos, mas não necessitam de ser salvos por alguma ecologia empenhada e «puritana».

As virtudes alheias incitam-nos aos vícios. Os vícios alheios incitam-nos à distanciação.

A segregação torna-nos ainda mais singulares.



A integridade original é híbrida.



As piramides deviam ser ao contrário.

A gestão neurologica faz-se segundo mutações semelhantes à da lagarta na borboleta.

A verdade é uma tenda à procura do deserto.
Os monumentos desviam a atenção dos bons momentos.

A Guerra é um recurso rasca para agravar os problemas e reduzir a população.
Nós somos as vítimas póstumas das útopicas intenções dos arquitectos do futuro.
Belas soluções esmagam melhor os problemas originais.

Mitos são sonhos publicitários.Uma boa gestão é saber gerir o «nem sim, nem não» relativamente ao pedido de aderência dos eventos.Uma aventura é muito mais do que uma simpática disponibilidade para tê-la.



A vida que planeámos tem planos muito diferentes dos nossos.

Se não somos cientistas podemos abordar os problemas ciêntificos disinibidamente, pois, em qualquer caso, seremos sempre estupidos – e quem sabe, pode ser que acertemos na mouche.

A sabedoria é, ao fim e ao cabo, um aperfeiçoamento de ignorâncias.

A experiência certa chega muitas vezes atrasada à teoria mais adequada.



As relações públicas deviam ser muito mais poéticas.

puzzles turbilhonando


Não imagino a imaginação como um teclado, embora o possa utilizar como veículo desta.
O silêncio não nos redime da vontade de tagarelar, ele é apenas o intervalo clarividente entre turbilhões linguísticos.

Os que sabem demais também sabem que a mentira é uma artimanha retórica destinada a caçar conteúdos que escapam a juízos elementares. Sendo a alma animação é bom que o corpo esteja na melhor das condições. A morte desalma.

Não tendo mente, tenho pelo menos um corpo que é falado e fala muitas linguagens. A consciência é muito mais e do que uma interface – são várias programações abertas que tornam o que acontece mais sensível. Os limites da minha tagarelice podem limitar um pouco a maneira como enceno o mundo, mas não são o limite de nenhum mundo, a começar pelo «meu» mundo. Não sabemos se existe lógica para o mundo, mas podemos forjar lógicas explicativas como espectros que representam e nos revelam aspectos da percepção do mundo.
Deus é um adjectivo inapropriável.

Um provérbio é um puzzle de sons a querer passar por um puzzle de acontecimentos.

Apropriamo-nos de uma tecnologia destinada a fins estúpidos.

Não somos génios, mas apenas a sua imperfeita mestiçagem.A integridade raramente coincide com a fama.


A novidade surge como erro – a emergência não é a redundância de alguma certeza, mas o que tira o tapete a por vezes nobres convenções.

Para um homem verdadeiramente trágico nada é religioso.Temos cada vez mais intruções para salvar a terra, mas cada vez menos terra para salvar.

observações assassinas



Estratégias são estruturas de aparição/desaparição.

A arte dessocializa o que os seus supostos objectos socializam.

Os homens tornaram-se, aos poucos e poucos, obsoletos para a Guerra.

Grande parte da arte tenta desesperadamente não ser autobiográfica. Mas para isso teriamos que suprimir as monotonas biografias dos seus «autores».

O amor é um desvio metafísico do riso.

As confissões não renovam a vida, mas a vida renova as confissões.

A vida diária insulta cinicamente a nossa propensão para caír nela.

Tudo foi dito como se tivessemos que nos aproveitar desse facto, mas precisamente porque foi nós aproveitamos as ocasiões para refutar mesmo as mais soberanas evidências da literalidade.

Entro nos livros desordeiramente e não estou preocupado em descobrir nenhuma santa ordem neles, seja do autor ou minha.

A nossa tarefa é a de retocar a artificialidade naturalmente.
Não há revoluções sociais justas, mas apenas progressos miméticos. A censura tenta fazer-nos dizer secretamente e profundamente o que ela diz elipticamente.

Não há poder sem liberdade – o poder politico é a submissão a uma missão, oportunista ou não, a uma comunidade. Ser-se rico é saber-se possuir muito mais do que como objecto.

Somos a extinção a fazer-se passar por espécie.

O cinema absolve-nos de todas as prostituições porque as supera.




Há observações assassinas e outras que vão para a cama com muita gente: por vezes acabam por ter filhos.

plano z


O homem é uma invenção que apesar de recente não se concretizou nem se vai concretizar. O seu anunciado fim potencializa o inacabamento do seu modelo em algo que embora não sendo inumano também já não é humano. Nem tem que ser um nem outro.


O acaso des-simplifica, seja eruptivo, convulsivo ou de pés ligeiros. O acaso não é a fronteira da consciência, mas o dispositivo que lhe retira o tapete das convicções e as alarga, seja num passo trágico, seja num movimento de dança brejeiro.

Todos nascemos broncos – mas a vida, enquanto processo revela-se genialidade e vai povoando os neurónios com links e softwares que possibilitam essa hábil e excentrica forma de consciencia a que chamamos génio.

Uma linguagem diferente introduz-nos a experiências de vida que tanto podem ser parentas próximas quanto algo afastadas. Mas nunca demais.

A nossa tarefa não é redescobrirmos nem refazermos a natureza, é descobrirmo-nos com ela e refazermo-nos progredindo miméticamente.

Existimos intermitentemente tanto no que fazemos quanto no que desfazemos.

A Filosofia não é uma teoria nem uma actividade mas um modo carnavalesco de nos superarmos.
A liberalidade de consciencia gosta de ser sumptuosamente displiciente, embora seja mais frágil do que perigosa.

Oportunidades são ditaduras que se inventam para alguns instantes.

Não forces as forças, pois forças são farsas – desusa-as!

Punições são educações frustradas.


A loucura é o falhanço na obra de arte – é a ausência, não de um sentido, mas da possibilidade de desfrutar plenamente dos sentidos.


Poder é substituição de vazios – é a habitabilidade das concurrencias de cada sistema.

out


All I want is to get in and out of my paintings, and all I ever get is a sublime mess, with people coming in and out of that boiling confusion of exciting forms and burning ideas. … What you see is what you will never see again.

redes radiantes


As redes são ubiquidade capturante.

As redes são conectividade polposa.

Os nós das redes são pontos de negociação com o acaso.

A autoridade infiltra-se como algo a que nos habituamos a frequentar.

As redes não são uniformes, e regra geral, a maior parte das conexões é estupidificante – a potencialidade é uma ilusão e a passagem à prática é sempre selectiva – devemos desembaraçar-nos entusiasticamente da infinidade de possibilidades substituindo-a por uma «boa quantidade» que doseie interesses banais e de manutenção com brilhantes excentricidades.

A composição músical, sobretudo na visão terrivelmente aberta das musicas contemporâneas, é a melhor forma de percebermos a organização do mundo enquanto rede de afectações.

O busto das coisas provoca uma impressão consistente.

A potencialidade que as conectividades encenam é decepcionada por um uso hierarquico ou banalizante.

Preferimos ligar-nos a algo que é familiar do que a algo exótico – o que não quer dizer que não o façamos circunstancialmente.

A conectividade é muito mais uma especialização do que uma generalização.

Há mais eventos parvos do que improváveis – e este luxo é difícil de suportar, embora seja confortável.

O futuro tecnológico é grisalho. O passado tecnológico é curiosidade museológica.

As redes também são catastróficas.

A nossa habilidade para forjar contraconcepções.

Wednesday, May 30, 2007

allways new


Todas as horas são e foram novas. Perdi as vitórias e as conquistas. Fui e sou moderno no encenar-me contemporaneo de todos os tempos. Os dentes descerram-se, a lingua solta-se – não me conformei, nem me reformei. O mundo é vib-ratio.

As lembranças imundas são inundadas. Nada é imundo. Tudo é mundo. Falta-me o talento arcaico da lamentação. Solto gargalhadas quando o corpo pede gemidos. É necessário absolver a modernidade. Chega de ironias, cruzemos as pernas. O passado apascenta as suas metáforas num ecran de 180 graus. Podemos pedir justiça aos deuses que constantemente nos tentam aldrabar? A minha face é anterior à minha face? As tragédias farão justiça ao derramar tanto sangue? A vingança faz o prazer de Deus? O meu prazer limita-se aos avatares do corpo e da sua consciência. Devemos combater “espiritualmente” quando só nos podemos ganhar? Continuo urgentemente relaxado. Acolho a sobreabundância sem receio das suas piroseiras poéticas.

As auroras ou as amigas noites? – é-me indiferente! O que fervilha nas mulheres é a ternura imensa que nos liberta do que no mundo é restrição. Rejeita o femenino e terás os infernos à perna. Então, despede-te da verdade como de uma personagem de faca e alguidar, e entra nas comichosas ilusões do absoluto.

aspiradores





Nada desdenhei – in-vado-me, desexplico-me. Asianei-me em técnicas górgianas e em socráticos koans. Tiro os tapetes às minhas convicções – desenrasco-me usando, com cepticismo, o senso comum.

O mundo é um longo tapete de idades que se desenrolam e cuja lingua beija a minha. A humanidade esquiva-se, complexamente. A velocidade da ciências é bastante desconcertante.

A minha vida assenta em ab-usos vários – recicla sabedorias, mas não tenta, com o devido marketing vender mais uma nova.

Safei-me em muitas festas, mas deixei muita coisa a meio. Não fodi nem saí de cima? Ou fodi e saí de cima?

Tentei re-inventar as velharias revolucionárias, como se um alento as tornasse menos arcaicas. Recusei poderes, naturais e sobrenaturais, depois de uma exercitação em que não os ambicionava.

Pois, ó amiguinhos, vou continuar a extrair imagens do imaginário nem que seja a saca-rolhas. Não vou ser esquesito com a glória, se bem que ela saiba a palha, e não haja eternidade que chegue para a comer toda.

Preferi-me homem a demiurgo ou seu servo alado, mas não descurei das pobres magias que fazem com que as imagens e os sons tenham um discreto efeito sobre as coisas.

Aspirei a realidade, mas ainda não a coloquei no caixote do lixo. Perdi os deveres na esquina, embora continue, sem saber porquê, a cumpri-los.

Fui enganado pela vida, traído pelos ideais, chicoteado pela fama. Doeu-me. Mas passado algum tempo até me sentia melhor.

Tive relutância em aceitar a caridade – mas esta revelou-se graciosa.

Não pedirei desculpa pelos meus pudores e pelas engraçadas dissimulações.

Quem podemos invocar quando a nossa consciência é o espelho dos poderes de onde se emana o mundo?

geografias neurológicas


Resisti à tentação de perder a alegria com a passagem dos anos – esta tornou-se uma doença confusa. Não tive encontros místicos com a eternidade, mas tive encontros carnais que compensaram bem essa ausência.

Tornei-me mais pop – apercebi-me de que vivo numa época fabulosa. A agressividade do encolvimento pode-me ter levado a situações físicamente insustentáveis, mas uma pretenciosa jovialidade permaneceu alerta.Dei-me conta de que aqueles que conheço vivem em retorcidos inferninhos – a sua propensão para a felicidade parece adiada por uma química cega que a hereditariedade ou o acaso lhes inflingiu.

A geografia do cérebro é já uma moralidade e a natureza tem leis que dão jeito quer a Deus quer ao Diabo. Não tenho muita vontade de contrariar com gestos espalhafatosos a pobre moralidade que a vida pública nos impinge. Mas também não sinto vontade de colaborar como um servo de tal iniquo e puritano modelo. Não me privo de nada – só não sinto iconoclásticas necessidades efectivas.

Ah! O sussurro da multiplicidade de improbabilidades. Como se gostasse do fantástico, mas lhe preferisse a versão des-sobrenaturalizada. Utilizar as estruturas do oculto para militar por algo demasiado terra a terra.

o espirito é bué da geometra


Durante muito tempo avacalhei as minhas glórias internas – não suportava os ímpetos sublimes da adolescência na sua forma crua – no entanto só perseguia os clarões da Doxa. Tornei-me obliquo aos gostos sucessivos que implantaram as modas – também me tornei mais secreto e discreto – uma febre reaccionária fazia-me relacionar eróticamente com os mestres do passado – enumerar os gostos é deprimente, mas não caí em apetites pitorescos – gostava de gravuras chinesas, marginálias medievais, frescos romanos, livros seiscentistas, poetas gongorizanters, etc.

Nunca acreditei nas correspondências entre linguagens, mas fazia corresponder a estruturas geométricas designações simbólicas só para atraír os demónios do acaso e para erigir edificios de conceitos. Deixei de acreditar em revoluções abruptas mas persegui a hipótese de um progresso mimético – a liberalização e a maximização da complexidade, quer na consciência quer nos sentidos. Recusei os silênciamentos, e as pirosas adjectivações com se olha para o suposto sublime. Deixei-me arrastar pelo demónio interno que nos pulsiona aos solavancos – mas soube sempre o que é que andava a fazer.

Nada me alucinava. Porque é que não andei nas escolas da alucinação? As imagens vêm-me porque muito me exercitei – é claro que há uma disponibilidade divina para que o teatro das imagens se solte e se forje. Os nossos limites físicos reduzem a possibilidade de uma doentia produção infinita – apesar disso sinto-me prolixo.

Explorei os sofismas porque a sua lógica se tornou uma sobremesa bastante agradável – há nos sofismas uma propensão para a magia que faz com as imagens encontrem sentidos mais densos dentro de uma falsa desordem.

Foi então que percebi que o espirito geometriza as ordens e desordens que lhe apetece criar e enterlaçar.

cão-habitação


A razão nasce da co-habitação. Não há razão fora do partilhável. A frivolidade dá-nos mais responsabilidades. A ligeireza permite-nos uma efectiva anacorése, sem o fogo insensato das tentações e todo o arsenal de imagens bárbaras e apocalipticas.

As razões já não nos pertencem, porque não podemos ter uma razão efectiva na tetralidade urbana – a tragédia ensinou-nos que o desejo de ter razão é mais trágico do que o de não a querer ter. Quanto à felicidade - não precisamos de ver filmes antigos para perceber que a montagem cinematográfica das nossas vidas é mais palpitante do que isso, uma vez que incluí milhares de filmes e séries – belos desfechos, comédias surrealistas. Equívocos de que nos desfazemos. A nossa vida caminha sobre colagens de colagens.

cornudos, mas não ofendidos


Os diabos colocaram-nos cornos. A existência é uma orgia. A natureza é discretamente pornográfica. A sociedade é-o ainda mais, òbviamente. As imagens de Khajuraho fervilham-nos nas entranhas. As esculturas eróticas ajudam-nos melhor a perceber os mecanismos e os agenciamentos da physis. Os deuses antigos usavam laca. Mas os ascetas não vão à manicure. Que queres saber da natureza? Que esta dança, dança, dança, como algo ondulante que deve atravessar galáxias?

O planeta mestiça-se. Os brancos desembarcam em voos baratos para saborear uns licores exóticos em hoteis assépticos. Os negros atravessam perigosas fronteiras na esperança de baixos salários e suburbios saracoteantes. As cidades europeias e americanas são colonias tribais – não há esperança de importar deuses belos em forma de possantes animais – fica o folklore de uma missegenação incipiente filtrado por tecnologias ferteis. Os filhos mantêm-se agarrados aos ecrans e dispensas dos pais. Os filhos pródigos não são os que regressam, são os que não regressam ou não saiem.

Amemos as quimeras, os ideais, os erros, e a sua admirável museologia. O amor é um escape do divino. Todos os amores são divinos. Sobretudo quando permanecem ou falham. É a imanencia que torna tudo mais articulado, sagrado e forte.

mestiço postiço


A inocência mestiçou-se e abastardou-se. As nossas poucas vergonhas são muito poucas. Faço imagens. As imagens são miraculosas se lhes pedirmos milagres. Os corações entreabrem-se. A pintura é uma medecina que torna tenro e terno. Mas fora dela.

Andamos um pouco por aqui – a cartografia situa-nos implacávelmente no espaço. Acordo para boas possibilidades. A arqueologia fez renascer belezas devastadas. O turismo tornou maravilhas banalmente acessíveis. Perdeu-se o encantamento? Ou temos que ser cumplices desse festim de imagens? Os passados glorificam-se nas restaurações que lhes inflingem os presentes. São os nossos olhares que oferecem a todas as ruínas a possibilidade de serem interminávelmente traduzidas.

A camaradagem das mulheres é problemática, mas acabou por ser um excelente antídoto animal para a simplificação e para os clichês do erotismo. Sabemos hoje partilhar uma maculante beleza e perceber como religiões e filosofias foram misógenas e estupidas no seu afã por coisas puras e machas.

verborreias alquímicas


De fantasias pagâs e cristãs, ou reactivamente ateias, não nos safamos – as metáforas andam por cá como uma herança genética. Sobram-nos evangelhos, fábulas e filosofias como boa ou mediocre literatura. Sobram-nos deuses como especiarias a mais. Sobra-nos também o prazer de negá-los, com ou sem imaculados idealismos. A juventude que se foi garante as juventudes que (se) vêm. Sou de uma espécie muito interior que anda cá por fora desde sempre. O azul do céu abre-se nos meus pulmões – estes climas maravilham-me. Ir para o campo? Sim! Mas gesticular na efevrescência animalesca das cidades, onde a beleza se saracoteia em cada esquina, e onde as criaturas se espremem como se fosse obrigatório muito mais do que aquilo para que fomos feitos. Nadamos nas piscinas municipais e nas praias turisticas, vemos o òceano desde os céus e inclinamo-nos confortávelmente por cima das nuvens. As hospedeiras não são assim tão belas.

Dantes sonhava-se com ouro, como se este fosse uma quimera alquímica – hoje as alquimias não se contentam em forjar metais.

Sinto-me europeu, mas não me sinto ridiculo neste meu corpo. Não preciso de caminhar com um ar embaraçado, cabisbaixo, desconfortável, como se as esperanças tivessem acabado e a prosperidade fosse um confortável entrave que faz luto pelas utopias.

Também quizemos ser selvagens, mas a sua sofisticada ciência contradizia a nossa esperança de uma simplicidade mais intensa e abrupta. Acabámos por aceitar-lhes as inevitaveis influências. Somos contamináveis – primitivistas, orientalistas, modernaços. Não tememos os equívocos, mas é através deles que partilhamos práticas.

Baba-te! Transforma-te! Desenrasca-te!

história e muros


Os muros são um apelo palpável à meditação, mesmo quando cheios de ortigas ou corroídos pelo que se deu e veio. O muro tapa-nos o sol. O sol é o deus mais imediato. O muro um convite ao ateísmo e à vacuídade.

O passado examina-nos e dá más notas ao presente. Embora sendo um mau examinador não temos alternativas decentes.


As guerras serviam um pulsão mobilizadora. Os povos vagabundeam e tentavam-se fundir. O resultado é um horror. Nós somos o resultado desse horror, a conformada sobrevivência genética

pilhagem




Só sei pilhar como tradutor. Olho com desdém os deuses que se deixam matar, procurando um modo de se evadirem dos santuários onde nasceram. Quanto às traduções própriamente ditas, são carne para lobos. Alimento os lobos sem ressentimento. Na matilha de leitores furtivos surgirá talvez um tradutor ainda mais infiel. São essas as cabeças que depois se deixarão cortar para serem servidas em bandejas a amantes ao alvorecer.

mais estalagem




É evidente que todas as raças são inferiores. Se alguma é muito boa nalguma coisa, em nada prova que esteja mais bem preparada que as outras para dominar ou ser dominada. A minha falta de raça, como a de todos os que me acompanham, é de uma inabilidade quer para dominar quer para ser dominado.

Louvar a revolta não é muito diferente de ir à missa ao domingo – o revolucionário e o vigário são irmãos. A perguiça que nos socializa fez destes actores de comédia reliquias de antiquário, açucarados seres ideais de algo mais do que falível.

A minha estirpe gosta de pilhérias e de palrar nas férias.

Faço a volta ao passado em bicicleta e desentranho a inocência das suas ruínas – a decepção lava a louça, mas não nos salva de misérias.


Podemos queixar-nos da ciência que nos fez destrutivamente progredir? Podemos remendar-nos contra ela? O mundo condena-se nas virtudes emancipadoras da ciência? E nós, também amamos o abismo? Os oráculos nunca poderão prever o que vai acontecer! Não sei se o mundo anda ou coxeia, mas eu cálo-me!

estalagem 3




Os pecados capitais são os pecados do Capital – o desenvolvimento do mundo é satânico? A pobreza franciscana consola-nos de todos os males? Há uma cobardia em não assumir um egoismo, ainda que imberbe. Já passamos há algum tempo a fase da danação. O que nos parece catastrófico e sujo seria admirável milagre em qualquer outro recanto do universo.


Gostariam que eu exibisse as minhas faculdades, e que, como terno gurú, vos conduzisse ao abismo hipócrita da devoção. Só vos posso dar desconcertos vários, até que o desconcerto do mundo entre em ruídosa (e ruinosa) harmonia com o vosso e nosso desconcerto.

Tenho dos meus antepassados a identica vergonha de qualquer identidade. A maneira de sermos obliquos seja ao que for ubiquou-nos.

Desfazemo-nos da pilosidade, mas arrancamos os pelos um a um, sem pressa. Falamos das virtudes do espirito combativo mas somos bonzinhos de mais. A luta é connosco, entre nós, como refutação canalha e aquilo que nos forma enquanto saque e plagiato. Falamos em barbarizar-nos, em implodir as maneiras e vestes, mas tudo isso é má treta só porque adiamos a cathársis que a teatralidade promete mas não oferece.

Gostamos de comer chocolate: os adjectivos que faziam malditos e magnificos os grandes poetas de outras eras não nos assentam, muito menos como luvas. Vivemos na luxúria e na cólera involuntáriamente. A mentira é hoje muito mais verdadeira do que a verdade. A hiperrrealidade é mais venturosa que a naturalidade. A pujança de Deus foi ultrapassada pelas velocidades bífidas da técnica.

Tenho tentado desdomesticar-me, mas sinto uma empatia com os bafos tépidos e algo burgueses da familia. Nada de sonambulismos de evasor. Tenho visto aqueles que fugiram com o rabo à seringa das serigaitices burguesas arrastarem-se como espectros em estradas amargas, como mendigos cretinos que já não apascentam nenhuma ilusão.

estalagem 2


Nem crimes, nem a idiotia e muito menos a loucura me abrem o apetite. Sequei-me depois de ter nadado na mais bárbara sabedoria. Só assim me sinto enxuto.

Ultimamente ultimo-me em tudo como se a produção de ultimatuns fosse um estado continuo: muito panfletarismo, muito grunhido pânico. Nem sequer há paraísos patafísicos para salvar. Estamos num banquete desmesurado e não nos esforçamos minimamente para ter apetite.

As chaves dos enigmas procuram-me desesperadas, mas não quero abrir: não há esfinges nenhumas. Os segredos que poderiam salvar o mundo são antiquados e inadequados. Vulnerabilidade, Flexibilidade, Disponibilidade.

Faltam-me provas para as fantasias nas quais o mundo se procura projectar. As coisas são menos ilusórias do que os sábios hindús proclamam, e eu faço-me raposa – são os sofismas mais doces que fazem sobreviver.

Vamos reciclar demónios – afinal de conta são biodegradáveis.

estalagem 1


UMA ESTALAGEM NOS ARREDORES DO PARAÍSO



Já de nada em rigor me recordo. Defendo-me da memória inventando incidentes, biografias, causalidades. Esbanjei a vida fazendo conjecturas. Nunca houve um outrora senão aquele que soube roubar aos outros. A vida era uma ascese. Recusava-me às coisas. Limava um excesso contra os excessos. Afugentava sentimentos. Os meus amigos eram ébrios Édipos que vazavam os olhos mal os trocadilhos se lhes inclinavam sobre os destinos. Um deles despiu por engano a Graça. Esta achou que ele a queria violar. Mas a Graça era apenas um tramado equívoco. Desarmei-me como se a justiça não passasse de um mau mito. Fuji-me. Ó donzelas, ò absurda confiança, ò entusiasmo que ora amarga ora adoça a nossa inocente sentimentalidade, é a vós que deixo as portas entreabertas.

Não consegui fazer fundir as minhas expectativas com o péssimismo que afoga a espécie hominidea. A esperança estrangula muitos imprevisíveis. A alegria irreprimível acaba por chamar a atenção das censuras. Sentia-me um animal demasiado selvagem para ser feroz. Já não havia carrascos em meu redor. A civilização prefere adiar as execuções ad eternum e deixar-nos apodrecer num requintado e requentado limbo.

Despedi-me tranquilamente das alegorias catastróficas que inundam os jornais e que excitam os pequenos-almoços das funcionárias públicas. Esqueceram-se as paisagens violentas onde desembarcavam os faccionaras bíblicos: vulcões, desertos, sangue. Os deuses dão-nos a desgraça como entretenimento. A gargalhada continua a não estar na moda. A vida é uma esmola mal dada. Antes podiamos ficar inertes na lama, hoje confundimo-nos com a laca.

Tuesday, May 08, 2007

problemas, questões


duchamp: não há respostas porque não há problemas

byars - a questão das questões - quais são as 100 maiores perguntas?

valery - um problema novo é como um novo sol

delalande - «to ask is to environmentalize - questions are noises that bring (real or unreal) life inbetween»

Friday, March 23, 2007

como explicar?

tentei atabalhoadamente explicar-me

explik

Tuesday, January 09, 2007

irrelevante antes

Sou irrelevante porque nem sequer me sinto a causa mais próxima da minha irrelevância - mas são as coisas irrelevantes que dão a volta ao estomago deste mundo a que temos acessos.