Wednesday, May 30, 2007

allways new


Todas as horas são e foram novas. Perdi as vitórias e as conquistas. Fui e sou moderno no encenar-me contemporaneo de todos os tempos. Os dentes descerram-se, a lingua solta-se – não me conformei, nem me reformei. O mundo é vib-ratio.

As lembranças imundas são inundadas. Nada é imundo. Tudo é mundo. Falta-me o talento arcaico da lamentação. Solto gargalhadas quando o corpo pede gemidos. É necessário absolver a modernidade. Chega de ironias, cruzemos as pernas. O passado apascenta as suas metáforas num ecran de 180 graus. Podemos pedir justiça aos deuses que constantemente nos tentam aldrabar? A minha face é anterior à minha face? As tragédias farão justiça ao derramar tanto sangue? A vingança faz o prazer de Deus? O meu prazer limita-se aos avatares do corpo e da sua consciência. Devemos combater “espiritualmente” quando só nos podemos ganhar? Continuo urgentemente relaxado. Acolho a sobreabundância sem receio das suas piroseiras poéticas.

As auroras ou as amigas noites? – é-me indiferente! O que fervilha nas mulheres é a ternura imensa que nos liberta do que no mundo é restrição. Rejeita o femenino e terás os infernos à perna. Então, despede-te da verdade como de uma personagem de faca e alguidar, e entra nas comichosas ilusões do absoluto.

aspiradores





Nada desdenhei – in-vado-me, desexplico-me. Asianei-me em técnicas górgianas e em socráticos koans. Tiro os tapetes às minhas convicções – desenrasco-me usando, com cepticismo, o senso comum.

O mundo é um longo tapete de idades que se desenrolam e cuja lingua beija a minha. A humanidade esquiva-se, complexamente. A velocidade da ciências é bastante desconcertante.

A minha vida assenta em ab-usos vários – recicla sabedorias, mas não tenta, com o devido marketing vender mais uma nova.

Safei-me em muitas festas, mas deixei muita coisa a meio. Não fodi nem saí de cima? Ou fodi e saí de cima?

Tentei re-inventar as velharias revolucionárias, como se um alento as tornasse menos arcaicas. Recusei poderes, naturais e sobrenaturais, depois de uma exercitação em que não os ambicionava.

Pois, ó amiguinhos, vou continuar a extrair imagens do imaginário nem que seja a saca-rolhas. Não vou ser esquesito com a glória, se bem que ela saiba a palha, e não haja eternidade que chegue para a comer toda.

Preferi-me homem a demiurgo ou seu servo alado, mas não descurei das pobres magias que fazem com que as imagens e os sons tenham um discreto efeito sobre as coisas.

Aspirei a realidade, mas ainda não a coloquei no caixote do lixo. Perdi os deveres na esquina, embora continue, sem saber porquê, a cumpri-los.

Fui enganado pela vida, traído pelos ideais, chicoteado pela fama. Doeu-me. Mas passado algum tempo até me sentia melhor.

Tive relutância em aceitar a caridade – mas esta revelou-se graciosa.

Não pedirei desculpa pelos meus pudores e pelas engraçadas dissimulações.

Quem podemos invocar quando a nossa consciência é o espelho dos poderes de onde se emana o mundo?

geografias neurológicas


Resisti à tentação de perder a alegria com a passagem dos anos – esta tornou-se uma doença confusa. Não tive encontros místicos com a eternidade, mas tive encontros carnais que compensaram bem essa ausência.

Tornei-me mais pop – apercebi-me de que vivo numa época fabulosa. A agressividade do encolvimento pode-me ter levado a situações físicamente insustentáveis, mas uma pretenciosa jovialidade permaneceu alerta.Dei-me conta de que aqueles que conheço vivem em retorcidos inferninhos – a sua propensão para a felicidade parece adiada por uma química cega que a hereditariedade ou o acaso lhes inflingiu.

A geografia do cérebro é já uma moralidade e a natureza tem leis que dão jeito quer a Deus quer ao Diabo. Não tenho muita vontade de contrariar com gestos espalhafatosos a pobre moralidade que a vida pública nos impinge. Mas também não sinto vontade de colaborar como um servo de tal iniquo e puritano modelo. Não me privo de nada – só não sinto iconoclásticas necessidades efectivas.

Ah! O sussurro da multiplicidade de improbabilidades. Como se gostasse do fantástico, mas lhe preferisse a versão des-sobrenaturalizada. Utilizar as estruturas do oculto para militar por algo demasiado terra a terra.

o espirito é bué da geometra


Durante muito tempo avacalhei as minhas glórias internas – não suportava os ímpetos sublimes da adolescência na sua forma crua – no entanto só perseguia os clarões da Doxa. Tornei-me obliquo aos gostos sucessivos que implantaram as modas – também me tornei mais secreto e discreto – uma febre reaccionária fazia-me relacionar eróticamente com os mestres do passado – enumerar os gostos é deprimente, mas não caí em apetites pitorescos – gostava de gravuras chinesas, marginálias medievais, frescos romanos, livros seiscentistas, poetas gongorizanters, etc.

Nunca acreditei nas correspondências entre linguagens, mas fazia corresponder a estruturas geométricas designações simbólicas só para atraír os demónios do acaso e para erigir edificios de conceitos. Deixei de acreditar em revoluções abruptas mas persegui a hipótese de um progresso mimético – a liberalização e a maximização da complexidade, quer na consciência quer nos sentidos. Recusei os silênciamentos, e as pirosas adjectivações com se olha para o suposto sublime. Deixei-me arrastar pelo demónio interno que nos pulsiona aos solavancos – mas soube sempre o que é que andava a fazer.

Nada me alucinava. Porque é que não andei nas escolas da alucinação? As imagens vêm-me porque muito me exercitei – é claro que há uma disponibilidade divina para que o teatro das imagens se solte e se forje. Os nossos limites físicos reduzem a possibilidade de uma doentia produção infinita – apesar disso sinto-me prolixo.

Explorei os sofismas porque a sua lógica se tornou uma sobremesa bastante agradável – há nos sofismas uma propensão para a magia que faz com as imagens encontrem sentidos mais densos dentro de uma falsa desordem.

Foi então que percebi que o espirito geometriza as ordens e desordens que lhe apetece criar e enterlaçar.

cão-habitação


A razão nasce da co-habitação. Não há razão fora do partilhável. A frivolidade dá-nos mais responsabilidades. A ligeireza permite-nos uma efectiva anacorése, sem o fogo insensato das tentações e todo o arsenal de imagens bárbaras e apocalipticas.

As razões já não nos pertencem, porque não podemos ter uma razão efectiva na tetralidade urbana – a tragédia ensinou-nos que o desejo de ter razão é mais trágico do que o de não a querer ter. Quanto à felicidade - não precisamos de ver filmes antigos para perceber que a montagem cinematográfica das nossas vidas é mais palpitante do que isso, uma vez que incluí milhares de filmes e séries – belos desfechos, comédias surrealistas. Equívocos de que nos desfazemos. A nossa vida caminha sobre colagens de colagens.

cornudos, mas não ofendidos


Os diabos colocaram-nos cornos. A existência é uma orgia. A natureza é discretamente pornográfica. A sociedade é-o ainda mais, òbviamente. As imagens de Khajuraho fervilham-nos nas entranhas. As esculturas eróticas ajudam-nos melhor a perceber os mecanismos e os agenciamentos da physis. Os deuses antigos usavam laca. Mas os ascetas não vão à manicure. Que queres saber da natureza? Que esta dança, dança, dança, como algo ondulante que deve atravessar galáxias?

O planeta mestiça-se. Os brancos desembarcam em voos baratos para saborear uns licores exóticos em hoteis assépticos. Os negros atravessam perigosas fronteiras na esperança de baixos salários e suburbios saracoteantes. As cidades europeias e americanas são colonias tribais – não há esperança de importar deuses belos em forma de possantes animais – fica o folklore de uma missegenação incipiente filtrado por tecnologias ferteis. Os filhos mantêm-se agarrados aos ecrans e dispensas dos pais. Os filhos pródigos não são os que regressam, são os que não regressam ou não saiem.

Amemos as quimeras, os ideais, os erros, e a sua admirável museologia. O amor é um escape do divino. Todos os amores são divinos. Sobretudo quando permanecem ou falham. É a imanencia que torna tudo mais articulado, sagrado e forte.

mestiço postiço


A inocência mestiçou-se e abastardou-se. As nossas poucas vergonhas são muito poucas. Faço imagens. As imagens são miraculosas se lhes pedirmos milagres. Os corações entreabrem-se. A pintura é uma medecina que torna tenro e terno. Mas fora dela.

Andamos um pouco por aqui – a cartografia situa-nos implacávelmente no espaço. Acordo para boas possibilidades. A arqueologia fez renascer belezas devastadas. O turismo tornou maravilhas banalmente acessíveis. Perdeu-se o encantamento? Ou temos que ser cumplices desse festim de imagens? Os passados glorificam-se nas restaurações que lhes inflingem os presentes. São os nossos olhares que oferecem a todas as ruínas a possibilidade de serem interminávelmente traduzidas.

A camaradagem das mulheres é problemática, mas acabou por ser um excelente antídoto animal para a simplificação e para os clichês do erotismo. Sabemos hoje partilhar uma maculante beleza e perceber como religiões e filosofias foram misógenas e estupidas no seu afã por coisas puras e machas.

verborreias alquímicas


De fantasias pagâs e cristãs, ou reactivamente ateias, não nos safamos – as metáforas andam por cá como uma herança genética. Sobram-nos evangelhos, fábulas e filosofias como boa ou mediocre literatura. Sobram-nos deuses como especiarias a mais. Sobra-nos também o prazer de negá-los, com ou sem imaculados idealismos. A juventude que se foi garante as juventudes que (se) vêm. Sou de uma espécie muito interior que anda cá por fora desde sempre. O azul do céu abre-se nos meus pulmões – estes climas maravilham-me. Ir para o campo? Sim! Mas gesticular na efevrescência animalesca das cidades, onde a beleza se saracoteia em cada esquina, e onde as criaturas se espremem como se fosse obrigatório muito mais do que aquilo para que fomos feitos. Nadamos nas piscinas municipais e nas praias turisticas, vemos o òceano desde os céus e inclinamo-nos confortávelmente por cima das nuvens. As hospedeiras não são assim tão belas.

Dantes sonhava-se com ouro, como se este fosse uma quimera alquímica – hoje as alquimias não se contentam em forjar metais.

Sinto-me europeu, mas não me sinto ridiculo neste meu corpo. Não preciso de caminhar com um ar embaraçado, cabisbaixo, desconfortável, como se as esperanças tivessem acabado e a prosperidade fosse um confortável entrave que faz luto pelas utopias.

Também quizemos ser selvagens, mas a sua sofisticada ciência contradizia a nossa esperança de uma simplicidade mais intensa e abrupta. Acabámos por aceitar-lhes as inevitaveis influências. Somos contamináveis – primitivistas, orientalistas, modernaços. Não tememos os equívocos, mas é através deles que partilhamos práticas.

Baba-te! Transforma-te! Desenrasca-te!

história e muros


Os muros são um apelo palpável à meditação, mesmo quando cheios de ortigas ou corroídos pelo que se deu e veio. O muro tapa-nos o sol. O sol é o deus mais imediato. O muro um convite ao ateísmo e à vacuídade.

O passado examina-nos e dá más notas ao presente. Embora sendo um mau examinador não temos alternativas decentes.


As guerras serviam um pulsão mobilizadora. Os povos vagabundeam e tentavam-se fundir. O resultado é um horror. Nós somos o resultado desse horror, a conformada sobrevivência genética

pilhagem




Só sei pilhar como tradutor. Olho com desdém os deuses que se deixam matar, procurando um modo de se evadirem dos santuários onde nasceram. Quanto às traduções própriamente ditas, são carne para lobos. Alimento os lobos sem ressentimento. Na matilha de leitores furtivos surgirá talvez um tradutor ainda mais infiel. São essas as cabeças que depois se deixarão cortar para serem servidas em bandejas a amantes ao alvorecer.

mais estalagem




É evidente que todas as raças são inferiores. Se alguma é muito boa nalguma coisa, em nada prova que esteja mais bem preparada que as outras para dominar ou ser dominada. A minha falta de raça, como a de todos os que me acompanham, é de uma inabilidade quer para dominar quer para ser dominado.

Louvar a revolta não é muito diferente de ir à missa ao domingo – o revolucionário e o vigário são irmãos. A perguiça que nos socializa fez destes actores de comédia reliquias de antiquário, açucarados seres ideais de algo mais do que falível.

A minha estirpe gosta de pilhérias e de palrar nas férias.

Faço a volta ao passado em bicicleta e desentranho a inocência das suas ruínas – a decepção lava a louça, mas não nos salva de misérias.


Podemos queixar-nos da ciência que nos fez destrutivamente progredir? Podemos remendar-nos contra ela? O mundo condena-se nas virtudes emancipadoras da ciência? E nós, também amamos o abismo? Os oráculos nunca poderão prever o que vai acontecer! Não sei se o mundo anda ou coxeia, mas eu cálo-me!

estalagem 3




Os pecados capitais são os pecados do Capital – o desenvolvimento do mundo é satânico? A pobreza franciscana consola-nos de todos os males? Há uma cobardia em não assumir um egoismo, ainda que imberbe. Já passamos há algum tempo a fase da danação. O que nos parece catastrófico e sujo seria admirável milagre em qualquer outro recanto do universo.


Gostariam que eu exibisse as minhas faculdades, e que, como terno gurú, vos conduzisse ao abismo hipócrita da devoção. Só vos posso dar desconcertos vários, até que o desconcerto do mundo entre em ruídosa (e ruinosa) harmonia com o vosso e nosso desconcerto.

Tenho dos meus antepassados a identica vergonha de qualquer identidade. A maneira de sermos obliquos seja ao que for ubiquou-nos.

Desfazemo-nos da pilosidade, mas arrancamos os pelos um a um, sem pressa. Falamos das virtudes do espirito combativo mas somos bonzinhos de mais. A luta é connosco, entre nós, como refutação canalha e aquilo que nos forma enquanto saque e plagiato. Falamos em barbarizar-nos, em implodir as maneiras e vestes, mas tudo isso é má treta só porque adiamos a cathársis que a teatralidade promete mas não oferece.

Gostamos de comer chocolate: os adjectivos que faziam malditos e magnificos os grandes poetas de outras eras não nos assentam, muito menos como luvas. Vivemos na luxúria e na cólera involuntáriamente. A mentira é hoje muito mais verdadeira do que a verdade. A hiperrrealidade é mais venturosa que a naturalidade. A pujança de Deus foi ultrapassada pelas velocidades bífidas da técnica.

Tenho tentado desdomesticar-me, mas sinto uma empatia com os bafos tépidos e algo burgueses da familia. Nada de sonambulismos de evasor. Tenho visto aqueles que fugiram com o rabo à seringa das serigaitices burguesas arrastarem-se como espectros em estradas amargas, como mendigos cretinos que já não apascentam nenhuma ilusão.

estalagem 2


Nem crimes, nem a idiotia e muito menos a loucura me abrem o apetite. Sequei-me depois de ter nadado na mais bárbara sabedoria. Só assim me sinto enxuto.

Ultimamente ultimo-me em tudo como se a produção de ultimatuns fosse um estado continuo: muito panfletarismo, muito grunhido pânico. Nem sequer há paraísos patafísicos para salvar. Estamos num banquete desmesurado e não nos esforçamos minimamente para ter apetite.

As chaves dos enigmas procuram-me desesperadas, mas não quero abrir: não há esfinges nenhumas. Os segredos que poderiam salvar o mundo são antiquados e inadequados. Vulnerabilidade, Flexibilidade, Disponibilidade.

Faltam-me provas para as fantasias nas quais o mundo se procura projectar. As coisas são menos ilusórias do que os sábios hindús proclamam, e eu faço-me raposa – são os sofismas mais doces que fazem sobreviver.

Vamos reciclar demónios – afinal de conta são biodegradáveis.

estalagem 1


UMA ESTALAGEM NOS ARREDORES DO PARAÍSO



Já de nada em rigor me recordo. Defendo-me da memória inventando incidentes, biografias, causalidades. Esbanjei a vida fazendo conjecturas. Nunca houve um outrora senão aquele que soube roubar aos outros. A vida era uma ascese. Recusava-me às coisas. Limava um excesso contra os excessos. Afugentava sentimentos. Os meus amigos eram ébrios Édipos que vazavam os olhos mal os trocadilhos se lhes inclinavam sobre os destinos. Um deles despiu por engano a Graça. Esta achou que ele a queria violar. Mas a Graça era apenas um tramado equívoco. Desarmei-me como se a justiça não passasse de um mau mito. Fuji-me. Ó donzelas, ò absurda confiança, ò entusiasmo que ora amarga ora adoça a nossa inocente sentimentalidade, é a vós que deixo as portas entreabertas.

Não consegui fazer fundir as minhas expectativas com o péssimismo que afoga a espécie hominidea. A esperança estrangula muitos imprevisíveis. A alegria irreprimível acaba por chamar a atenção das censuras. Sentia-me um animal demasiado selvagem para ser feroz. Já não havia carrascos em meu redor. A civilização prefere adiar as execuções ad eternum e deixar-nos apodrecer num requintado e requentado limbo.

Despedi-me tranquilamente das alegorias catastróficas que inundam os jornais e que excitam os pequenos-almoços das funcionárias públicas. Esqueceram-se as paisagens violentas onde desembarcavam os faccionaras bíblicos: vulcões, desertos, sangue. Os deuses dão-nos a desgraça como entretenimento. A gargalhada continua a não estar na moda. A vida é uma esmola mal dada. Antes podiamos ficar inertes na lama, hoje confundimo-nos com a laca.

Tuesday, May 08, 2007

problemas, questões


duchamp: não há respostas porque não há problemas

byars - a questão das questões - quais são as 100 maiores perguntas?

valery - um problema novo é como um novo sol

delalande - «to ask is to environmentalize - questions are noises that bring (real or unreal) life inbetween»