Sunday, September 30, 2007

A CABEÇA 100 MULHERES (by Marx E. Nest)


I


Milagre criminoso: um homem incompleto acocora-se para um espelho.

A infalivel mácula no acto da contracepção.

A outra, antes dela mesma, ou a mesma antes dela outra.

Infalivelmente nossa, mas com pó a ter pó.

A fronteira muda de paisagem por correspondência.

O cordeiro delator enforca-se num discreto urinol duchampiano e entra na fecundidade divina.
O céu faz strip-tease e depois veste-se de papel de parede.

Num ringue de boxe o ornitorrinco faz uma aparição patética e vence por K.O. no segundo round.

A amaricana é um cão sem seio.


II


A mais terna unção extrema a juventude e a nação.

O chapéu-de-chuva conduz os crentes à cabana e ao cabaz do pai natal.

Bébé com pombal nas tripas abre as portas automáticas da boca do inferno.

Uma encantadora paisagem sodomiza um insecto.

O coleccionador de inconscientes deita fogo à colecção.

A Graça limpa com um espanador os jogos de linguagem de Wittegenstein.

Com caudas de silêncio se aumentam as bochechas das orquídeas da ironia.

Os jogos crepusculares decapitam os diurnos e os nocturnos.

A raínha do Sabá chicoteia anacoretas canibais.

A cabeça procura um harem de corpos.

Os jogos diurnos e nocturnos ressuscitam no paraíso errado.

Anjos caninos fazem caricaturas secretas de profetas.

Musa colocada como uma cabeleira na poetisa postiça é confundida com uma freira na hortaliça.

Prometeorito.

A cabeça decapita outras 100 mulheres e confessa-o a uma Medusa manca.

Será a casualidade uma macaco catatónico?

A perturbação irmana as 100 decapitadas e leva-as a uma salada russa no exílio.

A recompensa desorbita-se.



III


A luz faz-se luz sem regatear um autor e sem insultar as trevas.

Obscuridade electivas fermentam em faustos.

Esturgido de fantasmas com guacamole e pêras.

Palestrina lima o látego na latrina.

O notário segura o terramoto num copo de àgua.

O grão-mestre dos caracois faz outro horóscopo à rata.

A terceira rata toca violino no corpo de uma adultera lendária.

A jovem adultera deixa fugir o estrangeiro estrangulado.

A macaca macabra é acusada de falsificar bruxarias.

Um grunhido de alaúde ameaça matar a sogra da cabeça.

A eterna consoada não quer ser consolada.

A ginastica para pôr defuntos em forma é revogada por quem odeia cegos.

Os farsantes do grande inverno examinam o estomago à alegoria das cavernas.

Um comboio adormecido coxeia na Alta Obscuridade.

Bucha, desamiga!

Recreação naval por piratas ginecológicos.

Fadistas surdos à caça num pantanal de turistas.

La Dame aux Escargots queixa-se ao rabi de gota e sai de gatas com uma injecção de Kafka.

Ela abre uma conserva de seios liquídos e depois liquída as sete anãs.

La Dame aux Escargots enerva-se com os seus leitores e escarra-os.

O rei dos caracois torna-se devoto da limpa nuca da Dama e do seu muco.

A Esfinge celebra as suas bodas com o Minotauro.

Jesus, desiludido com o Pai, entra para um convento de carmelitas descalças.

O caracol acaba por devorar uma vitela à jardineira e uma carta das finanças.

Sempre acompanhada à guitarra, a minha cunhada, dá à luz 100 meninas malvadas.

A formusura é lunar, por isso não escapa ao negócio.

Corpos vulcânicos apascentam uma ironia que ameaça a posteridade.



IV


Sorrisos de contrabando fazem os sexos quase idênticos.

Vénus torna os bustos ainda mais robustos. Miam!

Descarga púbica: todas as escolas dão no mesmo. Porquê?

E LaDame aux Escargots com a sua carne desfez o Verbo.

O seu sorriso é o sabre da elegância. A sua elegância é o sebo dos sorrisos.

A sua ebriedade afoga no fogo as armas que mamam na vida da puta.

As ruinas olham as cascas das cidades descascadas e desmaiam.

Num tango descontinuo, heis a minha insaciável sogra, a cabeça das 100 mulheres!

As hienas rondam choronas o túmulo alado do profeta sangrento.

O seu sorriso escondeu-se numa echarpe branca e atirou-se a um pastel de nata.

Há um desencontro ao fundo túnel que faz sensacionalismos.

Montanhas mascaradas sobem as escadas.




V

Mais leviana que um governante, cá está a minha sogra, a cabeça das 100 mulheres!

As amarguras ondeiam ao lado.

A simplicidade faz falsas e açucaradas declarações ao inspector.

Uma pulsão telúrica humilha-se perante as imagens.

Titanicas engomadeiras passam o mundo a ferro.

Os anões irmãos das anãs sabotam os sonhos dos titãs.

Estradas cegas ladeiam visões preciosistas.

Vulcano vomita o assado de carneiro nas cuecas da instrutora.

É demasiado profundo para se elevar, e demasiado leve para se suicidar.

Vulcanica e asseada, a minha sogra ogre, a cabeça das 100 mulheres.

Pastiche, sublimação, desconversa.

Coplas de cópulas tornam acutilantes os prados.

A depilação das delapidadoras transforma a Aurora meticulosa.

Os assassinos das tranquilidades passadas fodem as fadas.

Futuros fatigados têm remédios diletantes.

Capitulantes delitos de cunhadas decapitantes.




VI


Pescaria aos milagres quebrados.

Mais traiçoeira que o mar, a minha sogra da lingua, a cabeça das 100 mulheres!

Heis as parecenças, como uma terrivel sede de crenças.

O amor anda à pesca de gritaria milagrosa.

O trono sofre de sonambulismo, jubila-se com a noite e desgraça-se pois.

A serenidade é mais inclemente do que um maremoto.

Os gestos afogados dos advogados e seus ajudantes lavagantes.

Inquina tudo e o mais.

Um jubilante mar de jubas.




VII


A noite jejua, arranca os olhos a Atlas e oferece-os às Gorgonas.

Torturada pelo silêncio, a porta confessa-se e culpa-se.

Um Espirito sem Espirito faz-se Carne ao passar por uma picadora.

Os selos do correio vão ao médico apavorados.

Há corpos que são cortinas ambulantes.

A cabeça das 100 mulheres aceita pagamentos em sorrisos avulsos.

O Caracol, temendo a ebriedade, recupera a sua antiga ambiguidade no barbeiro.

O bosque cego segue os òvulos ovais da substituta da amante.

A menstruação dos fantasmas surpreende um gang de jornalistas nús.

Uma chuva de vestidos abate-se sobre as cadelas da moda.

O polvo luminoso masturba piedosas almofadas com mentiras verdes.

O Terror afasta-se como um mexicano ensonado.

Descobre-se uma clavicula num berço e esta torna-se um pastel gigante.




VIII


A morte da vaidade põe fantasmas nos cabides.

Todas as diferenças se partem antes de partirem.

Posa na pose apátrida de quem ama à mariposa.

Finalmente um capitulo que se dá de presente a quem desagrada.

Não foi difícil o leitor ficar irreconhecível.

Uma vacilação muito lavada invalida as penas de quem não nos quer ler.

Um pastor no seu gabinete de trajos folclóricos faz bem à saúdinha do rebanho.

Um buda que é policia, católico e macaquinho de imitação faz implicações financeiras.

A divina comédia num vaudeville com pretensões cientificas é dada à estampa.

Rosa Davida lê o Fantomas em tradução cubista de Gertrude Stein.

O Agente Múltiplo surpreende-se em puro flagrante e assassina-se.

O excremento verde ressuscita outra vez Lázaro e seus dromedários voadores.



Apesar de só possuírem uma mesma cabeça as 100 mulheres teimam em reproduzir-se inutilmente criando povoados fantasmáticos com pretensões surrealistas. Mas apesar da humidade latente, e da humanidade gelada, uma sogra será sempre uma sogra.




IX


Damos como desgraça adquirida o satanismo de Deus, mas faltam-nos provas, mesmo em caso contrário.

Descontinuação contaminada.

O ínicio do avesso.

A cabeça das 100 mulheres tem uma erecção ocular e repete-se.

O mesmo dito da mesma maneira emburrece muita gente.

A mesma maneira dizendo o mesmo aborrece os curiosos e os leprosos.

A cabeça das 100 mulheres e o caracol civilizam selváticamente o que resta da sua cumplicidade e dão esperanças ainda mais vãs à humanidade.

Alguém masca a luz e as trevas como uma aparatosa pastilha-elástica.

Resguarda-te de segredos alheios: diz o cão de guarda do guarda-roupas.

Segrega-te nas guardas: diz o guarda-livros da guarda republicana a cavalo.

O guarda agrada-se.

Todas as caminhas vão dar à rima. Todas as carrinhas vão dar à prima.

Rima torsa em Tarso. Prima rôxa tem tazos.

Lisboa: limbo antes do limbo.

Quem é a cabeça das 100 mulheres? Quando o sei deixo de o saber. Quando o ignoro é uma obcessiva evidência. Explica-te e dir-te-hei como te obscuras.

O caracol, repugnante amante das nossas incertezas, é arrojado ao insinuar que somos demasiado íntimos de uma tal verdade.



(Continua muito antes do começo)

Thursday, July 19, 2007

cometas acádicos (versão b)


Área antes deste. Tempo arado. Irrigação muito sofisticada por baixo da eternidade. Era um esplêndido autor arquitectural.... Construia a maldade.

Vejo-te celebrada enormemente. Avanço até hoje. Alguns muçulmanos irrigavam a sofisticação do mundo – canones Abássidas.

A sua infinita misericórdia tinha algumas reservas - os coxos caminhavam, os cegos trabalhavam, o oriental arquipélago dos prodígios prosperava.


Sentiamo-nos arados pela terra – deus traduzia-nos.


Deus fazia-se Deus, no primeiro, no segundo, no terceiro, no quarto, no quinto, no sexto e no sétimo dia, e era Deus, e achava-se bom, mesmo bom, e continuava assim por outros dias afora.


Eramos geométricos – uma linha recta cortáva-nos o cérebro.

Os trabalhos do divino eram cegos. A vida achava-se segurança. Mas tremia nervosa e cheia de dúvidas até. E Babilonia envolvia-se em etanol e divisões blindadas.


O Verão estende-se ano após ano sobre o Médio Oriente com nostalgias do Enuma Elish e outros maravilhosos canticos que invertem os zigurates. As àguas do Eufrates correm subterraneas em toda a lingua que se faz mais escrita – porque a lingua nasceu de escritas mais primitivas e insones e só se assenhorou de si mesma , em regateada inauguralidade, nestes inclinados poemas sumérios.

- as bibliotecas não se deixaram conservar na Grécia (essas incluiam livros que se desenrolavam como tapetes de púrpura esperando que uma mão adultera e assassina acabasse com o leitor – aliás, o dever da literatura é tornar-nos adulteros ou assassinar-nos «purpuramente»)


Bagdade hoje era a sombra de um califa pintado por um expressionista mais ou menos abstracto. Ou a sombra de M. cuidadosamente desenhada por um califa dado a artes e sem mêdo de incorrer em iconoclastias. Os auxiliares do califa davam côr ao pintor americano muitos séculos antes.


Estava envolvido na obscuridão sobrenatural. Mas preferia-lhe as claridades mais naturais – uma feliz Arábia. O ar supera as nossas fantasias, sejam elas sado-masoquistas ou pirosamente místicas.

Agradava-lhe, passado um quarto de século, a linguística, porque lhe parecia uma ciência antiga a que os cultures das artes se resignaram. Saussurre e Pierce podiam ler-se hoje sem mascarilhas.

As bibliotecas eram arquipélagos que arquivavam os prodigios com oriental caligrafia. Os coxos caminhavam esplendidamente por Bagdad. Sentia-se o império romano a cobrir com suas àguas as ruínas dos zigurates.

Mas – sentias-te muito irrigada para baixo, muito traduzida em enigmas vizinhos, persas, com linhas de fogo cruzaado, com uma servidão muito sofisticada a outros califados.

Inana fazia-se central impedidindo que os mortos ressuscitassem.

O jardim do senhor também pode ser uma tasca – acrescentou Ali.

Nas planícies lisas alcançavam-nos outros rios que pareciam vir subterraneamente da Tartária.

Eu sinto-me muitas vezes vendido neste reino de Alterações.

E nesse veredicto insolente reconheço uma voz que perdi há muito tempo.

As pestanas do mundo fecham-se e escritores siameses deixam os seus papiros com a respiração das colunas militares.

Até os rios eram seus discipulos.

O governo material das coisas filosofais é minha vida.

O sino abate-se sobre os anos solares.

Friday, July 13, 2007

cometas acádicos


Entramos velidas pelo Iraque adentro com Aristóteles encabeçando os tanques floridos.

Os coxos caminhavam, o mundo adiantava-se , os feridos eram inclinadamente, a vida ignominava-se.

Os trabalhos faziam-se muito em linha reta para baixo. O ensandecimento frutificou. As alegorias pediam coroas de espinhos.

Alevantavamo-nos das inclemências medicinais.

Os cegos atribulavam-se trabalhando o trigo – a terra encarestecia aos olhos dos maus.

Piores ouvintes perdiam-se em julgamentos maiores – as pedras diziam que eram pedras. Pedras para Abássidas construirem palácios falantes. E as suas vozes chegavam elétricamente à China.

As palavras do faraó emaranhavam-se nos dedos de Marpa, o Tradutor. O Tradutor traduzia os sutras nas vidas outra vez. O Tradutor traduzia o texto com a vida e com textos que seguiam a sua vida, como se quizessem emancipar do que prometia vir a ser traduzido. Textos que descolam num companheirismo excitado.

Se queres conservar a vida endurecerás a vontade e terás a tentação, mais uma vez, de seres pior.

Maus ouvintes só vêm pedras.

Àrea antes do arado – espaço antes do minimalismo. Pensamento antes de polimento.

Os ouvintes entranhavam-se em entendimentos agudos: cheiravam a mesericordia que vinha de cima e de baixo.

Os rebeldes reproduziam a rebeldia bíblica de Eva e Adão, o que é o mesmo que dizer, adolesciam numa ingenuidade fatal.

Faz muito fruto e é sensual.

O oriental arquipélago dos prodígios!

Por baixo o autor tinha sido arquitectural, mas por cima tinha dificuldade em atravessar as bibliotecas, como se estas fossem àguas larguíssimas. Então o autor suspirava, porque não aplicava a cor durável dos faraós aos seus esforços.


Faltavam-lhe palavras divinas, apesar da agudeza, e dos rebeldes antigos que incitavam ao achincalhamento extremo do Logos Negro.

Os simulados afogavam-se nos simulacros. As bibliotecas eram o horrível espetáculo de uma natura exilada. Pedras, frutos, espinhos, gemidos. O logro da similitude global.

Ir para baixo é vencer-se na agudeza, embora a inovação custe como jamais.

Galantarias avaliam pensamentos antes da posse.

Muita linha nasceu até nos espinhos

Aproveita a agudeza, antes que dane os que são bons. Faz neles enormemente avançar para o que vier.

Irrigação muito sofisticada das alegorias de baixo – apedrejarás até que o palimpsesto se desvaneça.

A vara nos bons é muito isto: e é vida.

Cauda Pharaonis.

Há muito curiosidade e devoção pelo princípio desta beleza.

Babiloneia-me, como um principio de centuplificação de frutos.

A fundação do vontades endurecidas ainda é pior, porque facilmente desponta nas pedras.

Há que haver àrvores de bibliotecas de filósofos.


Os gemidos encontram-se por baixo vestidos de frutos.

E os discursos serão despidos antes de serem despedidos.

Se tudo é varas, nada é sermão.

As casas testemunham a suspensão do mundo. Nascem como um fruto de pedra da àlgebra.

E a matéria irriga as idades.

Quando houver cometas nos canais, os mortos ressuscitarão.


Testemunhas com fervor a suspensão de diversos discursos,

Mas nos anos 80 e 90 avançava-se para o muito muito. Para o muito muito se avançava. E para além do excesso. Para a àrvore do Saber informático. A maldade tinha raízes nos filósofos... todo o pensamento tinha sido uma má tradução ... mas estes filósofos para além de raízes também tinham tronco, ramos, folhas.

Saturday, June 16, 2007

o que é, sociológicamente, a arte


a arte é tudo o que uma data de gente julga que é «arte», porque conversa e age em função deste termo semi-cego, e das regras sociais tácitas que se encostam a esta designação e que variam frequentemente em função de épocas e meios

tudo pode ser mais-ou-menos arte, se bem que durante alguns tempos algumas coisas sejam mais arte (caprichos das modas) e outras deixem de ser arte para passar a curiosidades ou antiguidades - o abjecto, o exquis e a banalidade podem equivaler-se (ou sobressair) desde que os poderes económicos e os especialistas ou as instituições próprios os coloquem bem à vista

todos podemos ser artistas, e todos «deviamos» ser artistas - com o tempo todos os agentes (activos ou passivos) do art-world acabam por ser «uns artistas» - os mais influentes são mais artistas, os menos influentes menos artistas - o estimado público, também é «imenso» artista

um artista torna-se famoso porque sabe jogar bem o jogo da glória, ou porque alguém sabe jogar bem, por ele, o jogo da glória aliado ao do monopólio, ou então porque teve sorte nas circunstâncias

as obras de arte custam mais e custam menos porque há quem goste de desperdiçar dinheiro a especular sobre arte, ou porque os preços de comércio são simpáticos (a relação procura-oferta é regular e equilibrada)

o que decide as carreiras dos artistas é o duplo jogo que explora por um lado os links sociais de topo (instituições, especialistas, comparsas, comerciantes, ricalhaços) e por outro a exposição mediatica, que pode partir quer do artista, quer de um interesse dos media por este (não tem que existir reciprocidade)

os artistas têm em geral uma relação problemática com o valor económico (a massa, o pilim, o cacau) - que os fascina, que os faz «revoltar-se» ou que os faz «conformar-se» - a relação discreta, cínica, heroica, underground ou sensata com o dinheiro tanto define, regra geral, os estilos de vida, quer o espelho de circunstancias económicas e sociais

a circulação, consumo e produção de arte não se rege por príncipios mas por climas propícios que podem ser legitimados por teorias, rituais, leis, etc.

a arte só tem fim quando o homem acabar consigo - toda a arte do «passado» é do presente - o «fim da arte» é uma expressão teórica que serve para encenar relações de intensidade entre diversos tipos de arte, considerando momentos mais vivos e mais mortos graças a sofisticados (e muitas vezes estupidificantes) actos de valorização e de desvalorização que traduzem, na maior parte das vezes, uma naúsea, talvez justificada, relativamente à abundância da produção contemporânea - o papá desta teoria foi Hegel

é dificil, no entanto de distinguir «efectivamente» uma obra de arte de outras coisas desde o ready-made duchampiano - e creio que é essa utilidade do ready-made - a entrega da atenção não garante que uma coisa seja melhor ou pior, artistica ou não artistica, mas que essa coisa seja o veículo de ligações ou de atenções meditativas ou entusiasmantes - é certo que muitas obras de arte se distinguem mais do que outras (enquanto «obras de arte») porque são mais reconhecíveis como obras de arte, o que não quer dizer que sejam «mais arte» ou «melhores»

(im)prudência (var. teoricas)


uma teoria é uma imprudência a que me atiro


no que diz respeito à arte a teoria é essa imprudência climática, ambiental, que constitui uma espécie de «sistema eco-poético da arte», o seu bairro-da-lata (no sentido ém que o artista é bairrista, plantando as suas couves, construindo com restos, e tendo lata)


o bem fundado das teorias o que é? é o constuirem-se como encadeamento silogistico, isto é, o forjarem-se como nuvem proposicional (pulsional?)?


quem já experimentou teorias sabe que consegue arrastar os encadeamentos lógicos para onde quizer, desde que as suas bases sejam especiosas - as formalidades da lógica dão alguma elegância arquitectónica ao edificio mas não garantia de uma verdadezinha racional


a teoria pode ser o desenvolvimento de algumas intuições banais ou espetaculares que se soltam do que o meio ou as influências (antigas, de agora) prometiam


a teoria pode ser o cabide onde se penduram as refutações, sejam elas a negatividade de um status quo, sejam elas como que negatividades de negatividades - isto é, uma positividade maliciosamente reivindicativa


a teoria pode ser variação pelo prazer da variação dos «temas teóricos» - nesse sentido os leitmotivs teóricos são como as frases musicais - quiçá até mais transformáveis


a teoria pode ser pura paródia das outras teorias - no sentido em que reproduz e deforma o que nelas é esbracejante, transformando-as em algo caricato, ou em algo alegremente outro


uma teoria nunca é (a sério?) a prudência de não ter teorias (que também é paradoxalmente, uma teoria, mediocre e banalizada)


é certo que a arte pode crescer em autores sem teorias, para lá daquelas, do senso comum, que eles se servem para se orientarem na vida - mas eles incorrem na vulnerabilidade de que alguém possa dizer o que quizer, isto é desapropriá-los (o que é inevitável), manipulá-los, falsificá-los, etc.


uma teoria pode até ser ( e é normalmente) o espelho dos clichés que vagabundam nas conversas da «sociedade», sem que a gente saiba o que é que esses termos das conversas queiram exactamente dizer - são termos semi-cegos de ligação social - a maior parte das teorias forma-se «socialmente» no bulicio com que nos inclinamos mais para um género de coisas e nos distingimos opinativamente de outras - é bom ver como é que as opiniões mudam nos meios e seria útil, sociológicamente, fazer um estudo das mudanças de estados opinativos relativamente a quem é quem, o que é que é bom, e o que é que é importante e desimportante, e de como isso se dá segundo atitudes/estratégias (activas ou passivas) miméticas/meméticas


Tuesday, June 12, 2007

a arte como auto-indefenição


a arte é a indefenição da arte


é um paradoxo, mas aplica-se melhor às artes (às poéticas) do que ao resto dos casos


a arte não se satisfaz nem com a sua condição, nem com as suas variadíssimas defenições, nem com o seu sistema, nem com as funções que cumpre (bem ou mal) ou deixa de cumprir


nenhuma tautologia ou outro género de operação lógica nos pode fazer descansar e repousar numa defenição mais ou menos satisfatória


mas é forçoso que continuemos a defenir «arte», mesmo que se trate dum vício, de dandismo conceptual, ou de mera tática filosófica, ou, no pior dos casos, de oportunismo legitiomador

qualquer coisa de intermédia


distorceria o poema de Sá-Carneiro:


eu não sou Eu nem o Outro, sou qualquer coisa de intermédia