Saturday, June 16, 2007

o que é, sociológicamente, a arte


a arte é tudo o que uma data de gente julga que é «arte», porque conversa e age em função deste termo semi-cego, e das regras sociais tácitas que se encostam a esta designação e que variam frequentemente em função de épocas e meios

tudo pode ser mais-ou-menos arte, se bem que durante alguns tempos algumas coisas sejam mais arte (caprichos das modas) e outras deixem de ser arte para passar a curiosidades ou antiguidades - o abjecto, o exquis e a banalidade podem equivaler-se (ou sobressair) desde que os poderes económicos e os especialistas ou as instituições próprios os coloquem bem à vista

todos podemos ser artistas, e todos «deviamos» ser artistas - com o tempo todos os agentes (activos ou passivos) do art-world acabam por ser «uns artistas» - os mais influentes são mais artistas, os menos influentes menos artistas - o estimado público, também é «imenso» artista

um artista torna-se famoso porque sabe jogar bem o jogo da glória, ou porque alguém sabe jogar bem, por ele, o jogo da glória aliado ao do monopólio, ou então porque teve sorte nas circunstâncias

as obras de arte custam mais e custam menos porque há quem goste de desperdiçar dinheiro a especular sobre arte, ou porque os preços de comércio são simpáticos (a relação procura-oferta é regular e equilibrada)

o que decide as carreiras dos artistas é o duplo jogo que explora por um lado os links sociais de topo (instituições, especialistas, comparsas, comerciantes, ricalhaços) e por outro a exposição mediatica, que pode partir quer do artista, quer de um interesse dos media por este (não tem que existir reciprocidade)

os artistas têm em geral uma relação problemática com o valor económico (a massa, o pilim, o cacau) - que os fascina, que os faz «revoltar-se» ou que os faz «conformar-se» - a relação discreta, cínica, heroica, underground ou sensata com o dinheiro tanto define, regra geral, os estilos de vida, quer o espelho de circunstancias económicas e sociais

a circulação, consumo e produção de arte não se rege por príncipios mas por climas propícios que podem ser legitimados por teorias, rituais, leis, etc.

a arte só tem fim quando o homem acabar consigo - toda a arte do «passado» é do presente - o «fim da arte» é uma expressão teórica que serve para encenar relações de intensidade entre diversos tipos de arte, considerando momentos mais vivos e mais mortos graças a sofisticados (e muitas vezes estupidificantes) actos de valorização e de desvalorização que traduzem, na maior parte das vezes, uma naúsea, talvez justificada, relativamente à abundância da produção contemporânea - o papá desta teoria foi Hegel

é dificil, no entanto de distinguir «efectivamente» uma obra de arte de outras coisas desde o ready-made duchampiano - e creio que é essa utilidade do ready-made - a entrega da atenção não garante que uma coisa seja melhor ou pior, artistica ou não artistica, mas que essa coisa seja o veículo de ligações ou de atenções meditativas ou entusiasmantes - é certo que muitas obras de arte se distinguem mais do que outras (enquanto «obras de arte») porque são mais reconhecíveis como obras de arte, o que não quer dizer que sejam «mais arte» ou «melhores»

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