
Diz Eduardo Batarda a propósito de Álvaro Lapa (vou começar de baixo para cima):
Álvaro Lapa é alguém que se compraz no pastiche, na imitação, no exercício de estilo. (...) No caso de Àlvaro Lapa, de onde a sátira mais furiosa não está aliás ausente, este jogo é levado a extremos: a citação é constante, permanentemente assumida pelo autor, passando a autocitação, pseudoautocitação ou só pseudocitação, em sucessivas ultrapassagens, chegando a sentir-se a identificação com a mediocridade.
É òbvio que «concordo» com o Batarda relativamente a este sofisticado jogo de ironias, no qual Batarda é complicadamente mais mestre que Lapa - Lapa não faz incursões na mediocridade, mas em algo mais deslaçado, mais próximo da «nulidade» (budista?) ou da imaturidade gombrowickziana. O que não é estranho - é um sindroma do elitismo já pensado por Heraclito, ao aconselhar a junção do excelente com o nulo como propicio a uma harmonia mais forte. Joyce cultivou, embora de uma forma menos ostensiva que Rabelais, o rasquismo como um baixo continuo (e deveriamos radicalizar e levar à letra esta noção de baixesa continuada). Podiamos dizer que é para se desforrar do catolicismo jesuíta des-sublimando-o (ou sublimando as suas sublimações, o que vem a dar em rebaixamento), mas a tradição é longa e visa dissimular o «sublime» (já que falamos de «sublimações»), no sentido kantiano, longiniano e todos os outros onde o absoluto, ou algum seu substituto defenível ou indefenível seja o mote. É certo que a associação de Deus e do «caralho» parecerá blasfémia, mas no campo indiano Shiva é o tal «caralho». Lapa sentirá uma felicidade fálica, uma beatitude indomável. Batarda recusará esse friquismo. Essa recusa leva a que algo seja mais elaborado. Por isso Batarda previligia a técnica e a história (intrinseca, o mais culta possível, o mais elipticamente e avacalhadamente exemplar) e reforça o «complicadismo».
Lapa é mais tranquilo, mais da filosofias, inábil em técnicas e por aí adiante. O que o desgraça é o Adorno em surdina (dodecafónica), mas também lhe dá o charme invulgar de ter tal complicação, como um céu carregado, em cima. Adorno é um censor porque também carrega o Hegel às cavalitas. Lapa dá-lhe a volta através dos seus herois aristocratas e fricolés - é claro que também estou a falar de mim. E safa-o o Nietzsche, e há momentos em que ele se abre intuições raras que fazem dele um profeta de uma outra «racionalidade»:
Uma teoria cómica não é normal nos hábitos retóricos.
Porque o cómico foi devidamente censurado pela razão grega.
Eu li Nietzsche como um moralista de nível superior.
O Alegre Saber pertence à comédia observada a vivo.
Sem o ênfase das grandes construções que Nietzsche pretendesse.
O cómico ultrapassa a razão grega ou qualquer outra.
Inverte a hierarquia invade a cena e é razão.
É razão outra ou razão louca na sua aparência.
Mas um sentido "oculto" nessa aparência constitui-o em sabedoria.
Os seus argumentos são superiormente razoáveis porque são acções.
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